EMENTA: PENSÃO ALIMENTÍCIA. DIVÓRCIO CONSENSUAL E LITIGIOSO. ARBITRAMENTO. CRITÉRIOS. SOLIDARIEDADE. PENSÃO DESCENDENTES A ASCENDENTES. EXONERAÇÃO. REVISÃO DA PENSÃO ALIMENTÍCIA. PENSÃO IN NATURA. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. INCIDÊNCIA SOBRE VERBAS RESCISÓRIAS E PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. ISENÇÃO IRPF. IRREPETIBILIDADE. IMPENHORABILIDADE.
01 – BREVE DELIMITAÇÃO DO TEMA
Trata-se o presente de exame de como se dá a fixação da pensão alimentícia entre pais e filhos, de modo a responder, mediante fundamentação lastreada em legislação, doutrina e jurisprudência, os questionamentos a seguir:
1) A pensão alimentícia no divórcio consensual – Livre estipulação;
2) A pensão alimentícia no divórcio litigioso – Arbitramento pelo Juiz – Critérios utilizados;
3) A pensão alimentícia na separação;
4) A pensão alimentícia do Filho para os Pais;
5) Exoneração da pensão alimentícia- Critérios utilizados;
6) Revisão da pensão alimentícia após fixada – Critérios para modificação – Critérios para majoração;
7) Pensão alimentícia in natura;
8) Desconto em folha de pagamento da pensão alimentícia;
9) Pensão alimentícia sobre verbas rescisórias e participação nos lucros;
10) Isenção do imposto de renda sobre a pensão alimentícia;
11) Irrepetibilidade da pensão alimentícia;
12) Natureza alimentar e a impenhorabilidade da pensão alimentícia;
02 – ENFRENTAMENTO DO TEMA
Conceituam-se os alimentos como sendo as prestações devidas para a satisfação das necessidades pessoais daqueles que não pode provê-las por conta própria, estando o pagamento da pensão alimentícia alicerçado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar.
A doutrina assim conceitua a finalidade dos alimentos:
“A finalidade dos alimentos é assegurar a subsistência de quem carece de meios, protegendo o direito a uma vida digna e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa alimentada. Entendem-se por alimentos tudo que seja indispensável para o sustento, habitação, vestuário, assistência médica, educação e instrução do alimentando enquanto for menor de idade e ainda depois na maioridade, enquanto não tenha terminado a sua formação superior ou profissional.” (Madaleno, Rolf Manual de direito de família / Rolf Madaleno. – 4. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 600. PDF)
Quanto ao ponto, preconiza o artigo 1.695 do Código Civil:
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
A possibilidade de pleitear os alimentos decorrentes do parentesco encontra previsão no artigo 1.694, caput, do Código Civil.
Assim, podem ser prestados tanto pelos pais aos filhos, como pelos filhos aos pais, tratando-se esta análise de esmiuçar pontos específicos em relação às hipóteses.
03 – A PENSÃO ALIMENTÍCIA NO DIVÓRCIO CONSENSUAL – LIVRE ESTIPULAÇÃO PELO CASAL
A pensão alimentícia, em benefício dos filhos, consiste em obrigação dos genitores atinente ao dever de sustento decorrente do poder familiar.
Esclarece a doutrina de Rolf Madaleno:
“Com relação aos alimentos derivados da filiação existe uma maior amplitude de deveres que aparecem vinculados ao poder familiar, enquanto menores e incapazes os filhos, têm seus pais o dever de lhes prestar toda ordem de assistência, moral e material, mediante a contribuição direta dos progenitores se convivem no mesmo lar com seus filhos, ou este dever será atendido mediante a fixação de uma prestação alimentícia com conteúdo bem mais amplo do que teria uma obrigação alimentar entre parentes maiores e capazes.” (Madaleno, Rolf Manual de direito de família / Rolf Madaleno. – 4. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 554).
Quando se está diante de divórcio consensual, nada obsta que as partes pactuem o valor e a forma como será efetuado o pagamento da prestação alimentícia. O ajuste, contudo, deve observar o atendimento das necessidades do alimentando e ser submetido à homologação judicial após regular Manifestação do Ministério Público, cuja atuação na hipótese é obrigatória.
Há de se atentar que os direitos aos alimentos presentes são futuros é irrenunciável. Conforme preconiza o artigo 1.707 do Código Civil, o credor pode não exercer o direito, mas lhe é vedado renunciá-lo
04 – A PENSÃO ALIMENTÍCIA NO DIVÓRCIO LITIGIOSO – ARBITRAMENTO PELO JUIZ, CRITÉRIOS UTILIZADOS
A verba alimentar é indispensável à sobrevivência e os parâmetros para sua fixação estão atrelados tão só à necessidade de quem os pleiteia e à possibilidade de quem os paga.
Não há um critério matemático utilizado para fixação do valor da pensão alimentícia. Contudo, é cediço que o montante deve se dar em conformidade com a condição social do alimentante e do alimentando.
Quando não há consenso entre as partes, incumbe o estabelecimento da pensão alimentícia pelo Juízo, incumbindo ao julgador ponderar a concorrência dos pressupostos necessários ao estabelecimento do quantum da obrigação.
Desse modo, o juiz adota como ponto de partida a verificação das necessidades do alimentando. Ato contínuo, necessário se faz a apuração das condições do prestador de alimentos, observando-se o status social e econômico, estilo de vida, renda, patrimônio, já que se consubstanciam e elementos determinantes no exame das possibilidades ao pagamento.
Observando-se os referidos parâmetros, é função discricionária do julgador arbitrar o valor, atentando-se aos critérios de proporcionalidade entre os binômios possibilidade e necessidade: possibilidade de quem paga e necessidade de quem recebe a pensão alimentícia. É o que estabelece o artigo 1.694, §1º, do Código Civil:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
Pontue-se o entendimento majoritário de que as necessidades de filho menor, especialmente de tenra idade, são presumidas.
No mesmo sentido, colaciona-se o entendimento dos Tribunais Pátrios:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE ALIMENTOS – PENSÃO FIXADA EM 50% DO SALÁRIO MÍNIMO – PEDIDO DE REDUÇÃO PARA 30% – INVIABILIDADE –FILHO MENOR – NECESSIDADES PRESUMIDAS – INCAPACIDADE FINANCEIRA DO AGRAVANTE NÃO DEMONSTRADA DE PLANO –RECURSO NÃO PROVIDO. Deve ser mantido o valor dos alimentos arbitrados na primeira instância se atendem ao binômio possibilidade/necessidade e não ficou demonstrada de forma contundente a impossibilidade do alimentante em arcar com essa quantia. (TJMG. N.U 1016106-08.2021.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 10/11/2021, Publicado no DJE 12/11/2021) (grifos nossos)
Normalmente a pensão é fixada em percentual sobre a renda líquida mensal do alimentante, quando conhecida, e sobre o salário mínimo nacional, quando desconhecida ou na hipótese de desemprego ou emprego formal do pagador.
Considera-se o valor líquido mensal, a renda bruta, abatidos os descontos obrigatórios, podendo o percentual incidir sobre rubricas como a participação nos lucros e resultados e todas as demais verbas remuneratórias.
05 – A PENSÃO ALIMENTÍCIA NA SEPARAÇÃO
Durante o casamento ou manutenção da união estável, o dever de sustento e guarda dos filhos compete a ambos os genitores (artigo 1.566, inciso IV, do Código Civil), sendo os alimentos prestados por ambos, diretamente.
Com o rompimento do vínculo entre o casal, o dever de alimentos é devido como prestação, nos termos do artigo 1696 do Código Civil, porém continua sendo de obrigatoriedade dos genitores.
Desse modo, podem ser fixados por sentença ou ajustado mediante acordo. Não obstante, não existe nenhuma obrigatoriedade de que a pensão alimentícia deva ter seu pedido formulado em ação de divórcio, podendo ser ajuizada ação autônoma apenas para esta finalidade.
Nesse sentido, menciona-se que o Código de Processo Civil possui capítulo próprio que prevê o procedimento a ser adotado em ações de família. Contudo, os alimentos também possuem previsão em lei própria (Lei nº. 5.478/68), cujo procedimento, em regra, é até mesmo mais célere.
Assim, na esteira do artigo 27 da referida lei, a aplicação do Código de Processo Civil dá-se de forma supletiva, não havendo qualquer necessidade de que a pensão alimentícia deva ser postulada, por exemplo, como pedido cumulado em ação de divórcio.
Veja-se que prevê o artigo 1º da Lei nº. 5.478/68 que a ação de alimentos é de rito especial, independente de prévia distribuição e de anterior concessão do benefício de gratuidade.
Desse modo, não há nenhuma imposição legal de que o pedido deva ser cumulado com ação de divórcio, sendo plenamente possível o ingresso de ação autônoma e específica ao arbitramento da pensão alimentícia.
06 – A PENSÃO ALIMENTÍCIA DO FILHO AOS PAIS
Nos termos do artigo 229 da Constituição Federal, os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, propiciando-lhes a dignidade e bem-estar necessários à sadia qualidade de vida.
A reciprocidade dos alimentos encontra amparo legal no artigo 1.696 do Código Civil:
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Na esteira do dispositivo supra, a obrigação alimentar decorre do parentesco, não subsistindo quanto aos parentes afins.
Não obstante o dever legal e constitucional de amparo dos filhos aos pais, na hipótese de pedido de fixação de pensão alimentícia, não deixam os ascendentes de ter que comprovar as necessidades aventadas, já que, em conformidade com o artigo 1.694, §1º, do Código Civil, deverão ser fixados em conformidade com as necessidades do reclamante e possibilidades da pessoa obrigada ao pagamento.
Nesse sentido, cite-se precedente em que restou negada a tutela de urgência pleiteada pelo requerente, pessoa idosa com 71 anos de idade, em face da ausência de demonstração da impossibilidade de prover o próprio sustento:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE ALIMENTOS – ASCENDENTE – DESCENDENTE – ALIMENTOS PROVISÓRIOS – ÔNUS PROBATÓRIO – IMPOSSIBILIDADE NÃO DEMONSTRADA – DECISÃO MANTIDA. – O direito à prestação de alimentos entre pais e filhos é recíproco e exsurge do princípio da solidariedade familiar e do dever legal de assistência. – Recai sobre o requerente da obrigação alimentar o ônus probatório disposto no art. 373, I, do CPC – em razão de não se tratar de direito presumível -, de modo que o autor, ascendente dos réus, deve comprovar a sua impossibilidade de prover o sustento próprio, a necessidade do quantum pleiteado e a capacidade financeira dos alimentantes. – Não demonstrada a probabilidade do direito invocado pelo autor, que, ao menos por ora, não se desincumbiu sequer de seu ônus de demonstrar sua impossibilidade de arcar com o sustento próprio, revela-se acertada a decisão de origem que indeferiu o pleito liminar de fixação de alimentos provisórios. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.199964-4/001, Relator(a): Des.(a) Maurício Soares , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/03/2022, publicação da súmula em 16/03/2022) (grifos nossos)
No que se refere aos idosos, é cediço que na esteira do artigo 3º do Estatuto do Idoso, suas necessidades devem ser tratadas com absoluta prioridade, contudo não são presumidas, demandando comprovação do postulante.
07 – EXONERAÇÃO DA PENSÃO ALIMENTÍCIA – CRITÉRIOS UTILIZADOS
Em regra, a pensão alimentícia deve ser paga até 18 anos. Isso porque o poder familiar dos pais sobre os filhos cessa com a maioridade, ou seja, quando os filhos completam 18 anos, na estira dos artigos 1.630 e 1.635, inciso III do Código Civil.
Contudo, do artigo 1.694, caput, do Código Civil, depreende-se que os alimentos devem abranger os recursos necessários à educação do alimentando. Desse modo, há consenso doutrinário e jurisprudencial que limita a dependência econômica dos filhos maiores, capazes e universitários, até os 24 anos. Ressalte-se, porém, que não se trata de critério puramente matemático, impondo-se a análise caso a caso.
Ou seja, a jurisprudência pátria possui o entendimento de que, após o alcance da capacidade civil (aos 18 anos de idade), permanece a obrigação de prestar os alimentos enquanto o beneficiário se mantiver estudante, já que, em regra, continua a depender dos genitores para cursar a universidade, por exemplo.
Veja-se o entendimento acerca do tema, em precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO DE FAMÍLIA – EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS – MAIORIDADE DO ALIMENTANDO – NECESSIDADE DEMONSTRADA – ESTUDO SUPERIOR AINDA NÃO CONCLUÍDO – MANUTENÇÃO DOS ALIMENTOS. – Com o advento da maioridade cessa a autoridade parental e a obrigação alimentar compulsória mas não extingue automaticamente o dever de assistência fundado no parentesco consanguíneo, o que dependerá sempre de análise das provas pelo Poder Judiciário. – Demonstrada a necessidade da alimentante que ainda estuda, os alimentos devem ser mantidos nos valores anteriormente fixados. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.22.073029-5/001, Relator(a): Des.(a) Alice Birchal , 4ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 27/10/2022, publicação da súmula em 28/10/2022)
A manutenção da obrigação na hipótese, decorre da obrigação parental de cuidado com a sua prole, incumbindo aos genitores do alimentando maior lhe proporcionar formação profissional, qualificando-se para, ao final, ingressar no mercado de trabalho com as melhores ferramentas disponíveis.
A esse respeito, cite-se relevante precedente do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ALIMENTOS. CURSO SUPERIOR CONCLUÍDO. NECESSIDADE. REALIZAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1 O advento da maioridade não extingue, de forma automática, o direito à percepção de alimentos, mas esses deixam de ser devidos em face do Poder Familiar e passam a ter fundamento nas relações de parentesco, em que se exige a prova da necessidade do alimentado. 2. É presumível, no entanto, – presunção iuris tantum -, a necessidade dos filhos de continuarem a receber alimentos após a maioridade, quando frequentam curso universitário ou técnico, por força do entendimento de que a obrigação parental de cuidar dos filhos inclui a outorga de adequada formação profissional. 3. Porém, o estímulo à qualificação profissional dos filhos não pode ser imposto aos pais de forma perene, sob pena de subverter o instituto da obrigação alimentar oriunda das relações de parentesco, que tem por objetivo, tão só, preservar as condições mínimas de sobrevida do alimentado. 4. Em rigor, a formação profissional se completa com a graduação, que, de regra, permite ao bacharel o exercício da profissão para a qual se graduou, independentemente de posterior especialização, podendo assim, em tese, prover o próprio sustento, circunstância que afasta, por si só, a presunção iuris tantum de necessidade do filho estudante. 5. Persistem, a partir de então, as relações de parentesco, que ainda possibilitam a percepção de alimentos, tanto de descendentes quanto de ascendentes, porém desde que haja prova de efetiva necessidade do alimentado. 6. Recurso especial provido. (REsp n. 1.218.510/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 27/9/2011, DJe de 3/10/2011.) (grifo nosso)
Assim, com a maioridade e conclusão de curso universitário, tem-se a presunção de que, a partir de então, o indivíduo não necessita mais da prestação alimentícia, subsistindo a fixação apenas na excepcionalidade de comprovação da necessidade. A partir de então, é ônus do credor comprovar que ainda demanda auxílio.
Desse modo, especial atenção deve ser dada à exoneração da obrigação de prestar os alimentos, que não ocorre de forma automática, quando o beneficiário atinge os 18 anos. Em verdade, necessário se faz o ingresso com demanda específica para essa finalidade, hipótese em que será analisado casuisticamente a capacidade de o beneficiário manter-se por conta própria e exonerar o alimentante da obrigação do pagamento da pensão alimentícia.
08 – REVISÃO DA PENSÃO ALIMENTÍCIA APÓS FIADA – CRITÉRIOS PARA MODIFICAÇÃO – MAJORAÇÃO
A decisão que fixa a pensão alimentícia não transita em julgado, o que viabiliza a sua revisão, que tem como pressuposto o exame da alteração do binômio possibilidade-necessidade, utilizado na fixação do quantum da prestação, e encontra-se subordinada à cláusula rebuc sic standibus, segundo a qual, diante da alteração no contexto fático que ensejou a obrigação, necessário se faz sua readequação.
A possibilidade de revisão da pensão após a sua fixação encontra amparo no artigo 1.699 do Código Civil, in verbis:
Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.
A Lei nº. 5.478/68, que dispõe sobre os alimentos, também estabelece a possibilidade de ação revisional:
Art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados.
Desse modo, tanto o beneficiário da pensão alimentícia pode ingressar com a demanda própria para pleitear a majoração da verba alimentas, como o alimentante pode pleitear a redução do valor fixado. Contudo, ambas as situações demandam a comprovação da modificação das condições anteriormente existentes.
Em suma, quando o alimentando requer a majoração, incumbe-lhe demonstrar o aumento das suas necessidades. Já quando o alimentante busca a redução da quantia anteriormente fixada, cumpre-lhe comprovar a redução de sua capacidade financeira.
Nesse aspecto, de rigor esclarecer que ao contrário do que pode ser imaginado, quando o devedor de alimentos constitui nova família, inclusive com filhos, não há automático direito à redução da pensão alimentícia paga ao filho anterior.
Ou seja, não é o simples fato de o devedor ter se casado de novo ou ter tido outros filhos que servirá de argumento para a redução do valor da pensão alimentícia que já é paga aos outros filhos.
Para que o devedor consiga reduzir a prestação paga, além da alegação e demonstração de que suas despesas aumentaram por conta da nova família, ele deverá provar também que o valor fixado anteriormente está acima das suas possibilidades, ou seja, que ele não tem mais condições de pagar aquela quantia.
Veja-se um exemplo hipotético em que José, afortunado empresário, tem pago pensão alimentícia ao filho que teve com a anterior esposa, no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). Ocorre que João se casa novamente, união da qual nasce uma filha. Com base unicamente nesta nova circunstância, João ajuíza ação revisional de alimentos pedindo que o valor pago de pensão a seu filho seja reduzido. Não obterá êxito na demanda se não comprovar que o valor da pensão é superior ao que consegue suportar, em decorrência da nova família.
Em suma, se o devedor alegar apenas que agora tem uma nova família, isso não será motivo suficiente para reduzir o valor da pensão paga.
Nesse sentido, firmou-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:
A constituição de nova família pelo devedor de alimentos não acarreta, por si só, revisão da quantia estabelecida a título de alimentos em favor dos filhos advindos de anterior unidade familiar formada pelo alimentante, sobretudo se não houver prova da diminuição da capacidade financeira do devedor em decorrência da formação do novo núcleo familiar. STJ. 3ª Turma. REsp 1.496.948-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, julgado em 3/3/2015 (Info 557) (grifo nosso)
Portanto, seja na hipótese de majoração da pensão pleiteada pelo beneficiário ou na redução postulada pelo pagante, em ambas as hipóteses, há necessidade de demonstração de alteração das circunstâncias presentes quando da fixação do valor do pensionamento, sob pena de improcedência da pretensão.
Por fim, interessante apontar que a ação revisional não se destina apenas a alteração do valor da pensão, mas pode ser utilizada pelo interessado para alterar a forma de pagamento. Veja-se:
Em sede de ação revisional de alimentos, é possível que o autor peça apenas a modificação da forma da prestação alimentar (em espécie ou in natura), desde que demonstrada a razão pela qual a modalidade anterior não mais atende à finalidade da obrigação, ainda que não haja alteração na condição financeira das partes nem pretensão de modificação do valor da pensão. STJ. 4ª Turma. REsp 1.505.030-MG, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 06/8/2015 (Info 567) (grifo nosso)
A exemplo, cite-se caso em que a pensão alimentícia foi fixada mediante desconto do valor em folha de pagamento e deposito em conta bancária do alimentando ou seu responsável/guardião. Passados alguns meses, o alimentante pleiteia a alteração para pagamento in natura, mediante quitação de IPTU de apartamento em nome do filho e mensalidade escolar, alegando que o valor pago não está sendo revertido ao menor.
Nesse caso, demonstrado que o valor, de fato, não estava sendo destinado ao menor, pode haver a alteração na forma como tem sido efetuado o pagamento da pensão alimentícia, na esteira do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.
Dessa forma, a ação de revisão de alimentos, que tem rito ordinário e se baseia justamente na característica de variabilidade da obrigação alimentar, podendo contemplar a pretensão de modificação da forma da prestação alimentar, demonstrando-se a razão pela qual a modalidade anterior não mais atende à finalidade da obrigação, ainda que não haja alteração na condição financeira das partes nem pretensão de modificação do valor da pensão, cabendo ao juiz fixar ou autorizar, se for o caso, um novo modo de prestação.
09 – PENSÃO ALIMENTÍCIA IN NATURA – EXEMPLOS PRÁTICOS
Alimentos in natura (também classificados como próprios), são aqueles pagos em espécie, por meio do fornecimento da alimentação, sustento, sem prejuízo da prestação do necessário à educação dos menores. É o que prevê o artigo 1.701 do Código Civil:
Art. 1.701. A pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, quando menor.
Parágrafo único. Compete ao juiz, se as circunstâncias o exigirem, fixar a forma do cumprimento da prestação.
Assim, ao contrário do que normalmente pode-se pensar, não há obrigatoriedade de que a pensão alimentícia seja paga em dinheiro, podendo ser estabelecida in natura.
Contudo, é importante que se fixe judicialmente esta forma de pagamento, ou que haja acorde entre as partes, de modo que não venha a ser questionada a ausência de auxílio ao menor pela não comprovação de pagamento em pecúnia da pensão.
Pode-se, portanto, ajustar, por exemplo, que a pensão alimentícia in natura consistirá no pagamento mensal do plano de saúde e escola do infante, acrescido das parcelas do IPTU.
Refira-se, por oportuno, em face da impossibilidade de compensação, não pode, em regra, eventual obrigação estabelecida em pecúnia ser compensada por prestações pagas in natura, daí surgindo a imperiosidade de que a pensão alimentícia in pecúnia seja fixada ou homologada judicialmente.
Nesta senda:
Em regra, não se admite a compensação de alimentos fixados em pecúnia com aqueles pagos in natura. Em regra, se o devedor pagou de forma diferente da estipulada pelo juízo, isso deve ser entendido como mera liberalidade (STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp. 1257779/MG, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 12/11/2014).
Assim, não há óbice à fixação de alimentos in pecúnia, contudo há de se tomar as precauções devidas a fim de que não reste configurado inadimplemento no cumprimento da obrigação.
10 – DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO DA PENSÃO ALIMENTÍCIA
O pagamento da pensão alimentícia pode se dar de diversas formas: mediante depósito/transferência em conta do guardião do menor e pagamento in natura, por exemplo. Mas há de se pontuar a forma mais segura, que consiste no desconto em folha de pagamento.
A possibilidade encontra previsão no artigo 529 do Código de Processo Civil:
Art. 529. Quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento da importância da prestação alimentícia.
§ 1º Ao proferir a decisão, o juiz oficiará à autoridade, à empresa ou ao empregador, determinando, sob pena de crime de desobediência, o desconto a partir da primeira remuneração posterior do executado, a contar do protocolo do ofício.
§ 2º O ofício conterá o nome e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do exequente e do executado, a importância a ser descontada mensalmente, o tempo de sua duração e a conta na qual deve ser feito o depósito.
§ 3º Sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos.
Vislumbra-se, nesse caso, benefícios tanto ao devedor como ao beneficiário da pensão. Isso porque, efetuando-se o desconto em folha, livra-se o pagador do risco de esquecimento ou atraso no pagamento da prestação, que pode ensejar sua prisão civil, na esteira do artigo 528 do Código de Processo Civil. Enquanto isso, ao credor dos alimentos, tem-se a garantia de que o alimentante não tentará furtar-se de cumprir com a obrigação alimentar.
Trata se, portanto, de medida que assegura a eficácia do cumprimento da obrigação.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por exemplo, entende que havendo vínculo formal, o pagamento da pensão deve se dar mediante desconto em folha de pagamento. Veja-se:
APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DE FAMÍLIA – REVISIONAL DE ALIMENTOS — NECESSIDADES DAS CRIANÇAS – ADEQUAÇÃO AO TRINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE/PROPORCIONALIDADE – ALTERAÇÃO FINANCEIRA COMPROVADA – SENTENÇA MANTIDA – Os alimentos devem ser arbitrados em função das possibilidades do devedor e das necessidades do alimentando, observada a proporcionalidade. – Os filhos menores, incapazes portanto, possuem necessidades presumidas, porquanto inaptos a proverem o próprio sustento. – Com a comprovação da alteração financeira do alimentante, a majoração fica autorizada, com base no artigo 1.699 do CC. – Caso o alimentante tenha vínculo formal de emprego, os alimentos deverão incidir sobre a renda líquida, mediante desconto em folha de pagamento. (TJMG – Apelação Cível 1.0000.22.006657-5/001, Relator(a): Des.(a) Maria Luiza Santana Assunção(JD Convocada) , 4ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 22/09/2022, publicação da súmula em 23/09/2022) (grifo nosso)
Contudo, de rigor observar-se o quantum atinente ao desconto, já que ao devedor também deve ser garantido o mínimo necessário à sua subsistência e à satisfação de uma vida digna, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Veja-se o entendimento dos Tribunais de Justiça quanto ao limite a ser observado na hipótese de desconto:
CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. ART. 492, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. LIMITE DE 50% DOS GANHOS DO DEVEDOR. ART. 529, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1. Há ordem judicial anterior determinando o desconto de pensão alimentícia no órgão empregador, razão pela qual inexiste a alegada ofensa ao art. 492 do Código de Processo Civil. 2. O art. 529, § 3º, do CPC possibilita a constrição de vencimentos/proventos visando pagar débito objeto de execução de obrigação alimentícia, de forma parcelada, desde que a soma dos alimentos vencidos e vincendos não ultrapasse a percentual de 50% (cinquenta por cento) dos ganhos líquidos do devedor. 3. Recurso não provido . (Acórdão 1342561, 07484688420208070000, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 20/5/2021, publicado no PJe: 1/6/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.) (grifo nosso)
O que se conclui do exame dos precedentes judiciais atuais, é que o limite de desconto da pensão alimentícia em folha de pagamento que tem sido observado é o de 50% dos rendimentos líquidos.
Nesta toada, assim manifesta-se reiteradamente o Tribunal de Justiça de Minas Gerais em ações de execução de alimentos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – DESCONTOS EM FOLHA DO DÉBITO EXEQUENDO – LIMITE DE 50% (CINQUENTA POR CENTO) DOS RENDIMENTOS DO EXECUTADO – ART. 529, § 3º DO CPC. – O limite legal para descontos em folha de débito alimentar é de 50% (cinquenta por cento) do salário líquido do executado, devendo sempre se analisar o caso concreto, mantendo-se valores que permitam a sobrevivência do alimentante. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.22.044285-9/001, Relator(a): Des.(a) Alice Birchal , 4ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 14/10/2022, publicação da súmula em 14/10/2022) (grifo nosso)
AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – DESCONTO DAS PARCELAS SOBRE A REMUNERAÇÃO DO ALIMENTANTE – POSSIBILIDADE – OBSERVÂNCIA DO LIMITE LEGAL – ART. 529, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 – DECISÃO MANTIDA. – Nos termos do art. 529, § 3º, do Código de Processo Civil de 2015, é possível o desconto em folha de pagamento das parcelas vencidas da prestação alimentar, desde que, somado à parcela devida, não ultrapasse 50% (cinquenta por cento) dos ganhos líquidos do alimentante. – Em tendo a decisão recorrida observado o limite legal imposto pelo art. 529, § 3º, do CPC/2015, e inexistindo, nessa fase processual, prova de que o percentual determinado onera demasiadamente o genitor, não há razões jurídicas que alicercem o pedido de redução da verba. – Recurso não provido. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.142460-1/001, Relator(a): Des.(a) Luís Carlos Gambogi , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/11/2021, publicação da súmula em 11/11/2021) (grifo nosso)
Desse modo, sendo o desconto em folha a modalidade de pagamento da pensão alimentícia que enseja maior segurança ao cumprimento da obrigação e encontrando previsão legal, tem sido amplamente aceita pelas Cortes Pátrias, desde que observado percentual de desconto que não inviabilize o atendimento das necessidades do alimentante.
11 – PENSÃO ALIMENTÍCIA SOBRE VERBAS RESCISÓRIAS E PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS
Conforme especificado em tópico anterior, quando o devedor de alimentos possui emprego formal, a base de cálculo da pensão alimentícia será seu rendimento líquido e, assim sendo, os alimentos incidirão sobre todas as verbas de natureza remuneratória.
O Superior Tribunal de Justiça entende que a pensão alimentícia deve incidir sobre verbas pagas em caráter habitual, não compreendidas as verbas de caráter indenizatório ou eventuais, tais como férias indenizadas, terço constitucional de férias e valores recebidos a título de auxílio prévio.
O posicionamento da Corte Superior era no sentido de que não incidia sobre a parcela denominada de participação nos lucros e resultados, em face do caráter transitório. Contudo, o atual entendimento da Corte é de que mesmo possuindo natureza indenizatória, poderá ser incluída na base de cálculo da pensão alimentícia, caso seja necessária para alcançar o valor razoável da obrigação alimentar.
Cite-se o precedente atinente à alteração do entendimento:
O recebimento, pelo alimentante (devedor), de valores adicionais e eventuais não impacta, em regra, na redefinição do valor dos alimentos a serem prestados, ressalvadas as situações em que as necessidades do alimentado não foram inicialmente satisfeitas ou sofreram alterações supervenientes que justificam a readequação do valor.
Não há relação direta e indissociável entre as eventuais variações positivas nos rendimentos auferidos pelo alimentante (como na hipótese da participação nos lucros e resultados) e o automático e correspondente acréscimo do valor dos alimentos, ressalvadas as hipóteses de ter havido redução proporcional do percentual para se ajustar à capacidade contributiva do alimentante ou de haver superveniente alteração no elemento necessidade, casos em que as variações positivas eventuais do alimentante deverão ser incorporadas aos alimentos a fim de satisfazer integralmente às necessidades do alimentado. STJ. 2ª Seção. REsp 1854488/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/12/2020.
Desse modo, cumpre esclarecer, contudo, que a incidência não é automática.
Outrossim, os valores pagos a título de horas extras devem ser incluídos na base de cálculo da verba alimentar, já que possuem caráter remuneratório e o acréscimo patrimonial delas advindo consubstancia aumento superveniente nas possibilidades do alimentante.
Nesse sentido:
O valor recebido pelo alimentante a título de horas extras, mesmo que não habituais, embora não ostente caráter salarial para efeitos de apuração de outros benefícios trabalhistas, é verba de natureza remuneratória e, portanto, integra a base de cálculo para a incidência dos alimentos fixados em percentual sobre os rendimentos líquidos do devedor. STJ. 3ª Turma. REsp 1741716-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 25/05/2021 (Info 698) (grifo nosso)
Por outro lado, não deve incidir o desconto da pensão alimentícia sobre o FGTS, por se tratar de verba indenizatória, bem como pelo mesmo motivo sobre eventual verba de natureza rescisória decorrente da dispensa do alimentante de seu emprego.
Conclui-se, assim, que considerando que não deve a pensão incidir sobre verbas de caráter indenizatório, não há que se falar e incidência sobre as verbas rescisórias.
A incidência da pensão será observada, nesses termos, em caso de pensão alimentícia fixada em sede judicial, sendo que, em caso de ajuste pactuado entre as partes, o acordo deve estabelecer a respeito.
Por exemplo, acaso as partes acordem quanto aos termos da pensão alimentícia, e dela não excluam a incidência sobre a gratificação natalina em cláusula própria, a pensão incidirá também sobre o 13º salário.
12 – ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE A PENSÃO ALIMENTÍCIA
Tramitou junto ao Supremo Tribunal Federal ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), questionando a incidência de imposto de renda sobre valores recebidos em dinheiro a título de pensão alimentícia – ADI 5422.
A impugnação dirigiu-se ao artigo 3º, § 1º, da Lei nº 7.713/88 e aos artigos 5º e 54 do Decreto nº 3.000/99 (Regulamento do Imposto de Renda), que preveem a tributação da verba.
No julgamento da ação, chamou-se atenção para a contrariedade existente na possibilidade de quem paga a pensão (geralmente, o pai), ter a possibilidade de abater da base de cálculo do imposto de renda os valores pagos concernentes à pensão alimentícia, enquanto o responsável civil pela criança deve declarar a quantia recebida como rendimento para fins de incidência de tributação.
A oneração da genitora, normalmente, em contrariedade à desoneração do genitor, segundo consta da decisão, viola inclusive o direito à igualdade de condições existentes entre o homem e a mulher, garantido no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal.
Restou assentado que a tributação sobre o valor recebido a título de pensão alimentícia consiste em verdadeira violação ao melhor interesse da criança e do adolescente e à proteção integral que lhes deve ser conferida.
Assim, restou dado aos dispositivos legais impugnados interpretação conforme a Constituição, para afastar a incidência do imposto de renda sobre valores decorrentes do direito de família percebidos pelos alimentados a título de alimentos ou pensões alimentícias. Veja-se:
Ação direta de inconstitucionalidade. Legitimidade ativa. Presença. Afastamento de questões preliminares. Conhecimento parcial da ação. Direito tributário e direito de família. Imposto de renda. Incidência sobre valores percebidos a título de alimentos ou de pensão alimentícia. Inconstitucionalidade. Ausência de acréscimo patrimonial. Igualdade de gênero. Mínimo existencial. 1. Consiste o IBDFAM em associação homogênea, só podendo a ele se associarem pessoas físicas ou jurídicas, profissionais, estudantes, órgãos ou entidades que tenham conexão com o direito de família. Está presente, portanto, a pertinência temática, em razão da correlação entre seus objetivos institucionais e o objeto da ação direta de inconstitucionalidade. 2. Afastamento de outras questões preliminares, em razão da presença de procuração com poderes específicos; da desnecessidade de se impugnar dispositivo que não integre o complexo normativo questionado e da possibilidade de se declarar, por arrastamento, a inconstitucionalidade de disposições regulamentares e de outras disposições legais que possuam os mesmos vícios das normas citadas na petição inicial, tendo com elas inequívoca ligação. 3. A inconstitucionalidade suscitada está limitada à incidência do imposto de renda sobre os valores percebidos a título de alimentos ou de pensões alimentícias oriundos do direito de família. Ação da qual se conhece parcialmente, de modo a se entender que os pedidos formulados alcançam os dispositivos questionados apenas nas partes que tratam da aludida tributação. 4. A materialidade do imposto de renda está conectada com a existência de acréscimo patrimonial, aspecto presente nas ideias de renda e de proventos de qualquer natureza. 5. Alimentos ou pensão alimentícia oriundos do direito de família não se configuram como renda nem proventos de qualquer natureza do credor dos alimentos, mas montante retirado dos acréscimos patrimoniais recebidos pelo alimentante para ser dado ao alimentado. A percepção desses valores pelo alimentado não representa riqueza nova, estando fora, portanto, da hipótese de incidência do imposto. 6. Na esteira do voto-vista do Ministro Roberto Barroso, “[n]a maioria dos casos, após a dissolução do vínculo conjugal, a guarda dos filhos menores é concedida à mãe. A incidência do imposto de renda sobre pensão alimentícia acaba por afrontar a igualdade de gênero, visto que penaliza ainda mais as mulheres. Além de criar, assistir e educar os filhos, elas ainda devem arcar com ônus tributários dos valores recebidos a título de alimentos, os quais foram fixados justamente para atender às necessidades básicas da criança ou do adolescente”. 7. Consoante o voto-vista do Ministro Alexandre de Moraes, a tributação não pode obstar o exercício de direitos fundamentais, de modo que “os valores recebidos a título de pensão alimentícia decorrente das obrigações familiares de seu provedor não podem integrar a renda tributável do alimentando, sob pena de violar-se a garantia ao mínimo existencial”. 8. Vencidos parcialmente os Ministro Gilmar Mendes, Edson Fachin e Nunes Marques, que sustentavam que as pensões alimentícias decorrentes do direito de família deveriam ser somadas aos valores de seu responsável legal aplicando-se a tabela progressiva do imposto de renda para cada dependente, ressalvando a possibilidade de o alimentando realizar isoladamente a declaração de imposto de renda. 9. Ação direta da qual se conhece em parte, relativamente à qual ela é julgada procedente, de modo a dar ao art. 3º, § 1º, da Lei nº 7.713/88, ao arts. 4º e 46 do Anexo do Decreto nº 9.580/18 e aos arts. 3º, caput e § 1º; e 4º do Decreto-lei nº 1.301/73 interpretação conforme à Constituição Federal para se afastar a incidência do imposto de renda sobre valores decorrentes do direito de família percebidos pelos alimentados a título de alimentos ou de pensões alimentícias. (ADI 5422).
Diante da decisão proferida pela Suprema Corte, quem, nos últimos cinco anos, ou seja 2018 a 2022, apresentou declaração de imposto de renda incluindo a pensão alimentícia como rendimento tributável, tem a possibilidade de efetuar a declaração retificadora junto à Receita Federal, para reaver os valores.
A retificação pode ser efetuada por meio do Programa Gerador da Declaração, no Portal e-CAC, ou pelo aplicativo “Meu Imposto de Renda”.
13 – IRREPETIBILIDADE DA PENSÃO ALIMENTÍCIA
Como características próprias da prestação alimentícia, tem-se que os alimentos são irrepetíveis e incompensáveis. Ou seja, não cabe a devolução de parcelas eventualmente quitadas, conforme se denota do artigo 1.707 do Código Civil:
Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.
Ilustrando, imagine-se um homem que foi enganado por sua companheira quanto à paternidade do filho, que assegurava ser seu. Realizado exame de DNA, descobre-se que o pai biológico é outro. Nesta hipótese, o esse homem não poderá reaver os alimentos que despendeu, em face da irrepetibilidade. Lhe resta facultado, contudo, pleitear a indenização por eventuais danos morais sofridos em decorrência do engano.
Ainda, cite-se a hipótese de pagamento de prestações de pensão alimentícia em valor maior do que o devido, nesse caso também não há possibilidade de reaver eventual diferença.
É o entendimento da jurisprudência dos Tribunais Pátrios:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA, GUARDA, VISITAS E ALIMENTOS. Os alimentos são irrepetíveis e incompensáveis (artigo 1.707 do CC), e, uma vez pagos, não podem ser devolvidos, seja mediante devolução própria ou mesmo imprópria sob a forma de compensação de débitos. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70070906359, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 26/10/2016) (grifo nosso)
Trata-se a obrigação alimentar de obrigação essencialmente satisfativa, não cabendo reaver o que foi pago.
14 – NATUREZA ALIMENTAR E A IMPENHORABILIDADE DA PENSÃO ALIMENTÍCIA
Uma das importantes características da pensão alimentícia é seu caráter personalíssimo e alimentar, pois não possui natureza patrimonial, embora se concretizem em algo material que possui significado econômico. Seu estabelecimento e fixação objetivam assegurar a conservação da vida digna ao beneficiário.
Diante disso, trata-se de verba impenhorável, nos termos dos artigos 1.707 do Código Civil e 833, inciso IV, do Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.
Art. 833. São impenhoráveis:
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º; Como direito personalíssimo, a pensão alimentícia não pode ser atacada por demanda executiva decorrente de dívida comum, salvo em se tratando de débito que derive de outra pensão alimentícia.
A impenhorabilidade decorre da imprescindibilidade dos alimentos para a garantia da vida do beneficiário, ao qual não é dado privar-se dos meios necessários à sua sobrevivência e abrange todo o valor relativo à pensão, ainda que considerado de elevado valor.